sábado, 17 de março de 2012

O Que Deveriam Ensinar as Escolas - Parte 1
"O importante numa discussão entre pessoas empenhadas num mesmo propósito, é reconhecer o que é sensato, razoável, e não quem está com a razão..."
Autora: Ester Cartago[1]



As formas dão forma ao nosso mundo
Um computador é capaz de armazenar em sua memória, todo conhecimento da humanidade, e desse modo, pode transmitir às futuras gerações, tudo que está lá guardado, e tudo isso, sem a interferência do ser humano.

A partir do momento que os educadores se tornam meros retransmissores do conhecimento, seu maior rival sem dúvida será uma dessas máquinas e não os outros professores.
A máquina tem algumas vantagens sobre o professor. Esta pode trabalhar muitas horas por dia, todos os dias da semana e feriados, sem reclamar de cansaço; sem folgas, sem reivindicar nada para si. Em segundos será capaz de absorver as últimas novidades e descobertas cientificas, sem a necessidade de participar de caros congressos de atualização, sem a necessidade de reciclar-se profissionalmente para exercer novos cargos, sem a necessidade de aposentar-se por tempo de serviço. Não precisa de tempo algum para se preparar para mais um dia de trabalho, basta que apertem um botão e ela já está pronta, como se fosse seu primeiro dia naquela ocupação. Para a escola será muito mais vantajoso. E então o que será feito do educador formado na simples arte de transmitir conhecimentos, que é o modelo tradicional que conhecemos hoje?
Podemos observar como nos sentimos importantes quando nos identificamos com alguma coisa grande. Pode ser uma instituição poderosa, ou alguém influente, ou uma idéia defendida por muitos, ou um produto da moda. Ao nos identificarmos com alguma idéia, ideologia, estilo de vida, ou o que seja, estamos na verdade fugindo da nossa realidade em busca de um mundo de sonhos; estamos renunciando a aquilo que somos e criando um personagem fictício que gostaríamos de ser; uma situação irreal que passamos a perseguir para fugir da feiúra que julgamos ser nossa existência. O certo é que nunca encontraremos um modelo ideal, uma vez que perseguiremos sempre os objetivos que os outros nos apontam; que até podem servir para eles, mas que logo se revelam ou inatingíveis ou não adequados para nós. 

Ser educado para nós é a adquirir conhecimentos ou receber instruções, e mais algumas regras de como devemos nos comportar no trato diário como as pessoas. Isso para nós é o suficiente; uma vez que nos torna aptos à exercer um cargo no mercado de trabalho, e ter suficiência nos comunicarmos. Estamos mecanicamente, passivamente, seguindo hábitos perpetuados pela tradição, que nos dizem como devemos nos relacionar com as pessoas, o que inclui nosso ambiente de trabalho e cotidiano; sempre respeitando às diversas hierarquias, os nossos interesses, e da corporação que ora representamos. Estabelece-se assim um convívio irreal e hipócrita entre pessoas e facções, onde a tolerância é apenas um jogo cenográfico, onde todos representam personagens que existem apenas para aquelas ocasiões, e onde a relação só é possível porque existem os interesses materiais de cada uma das partes. 

Num cenário assim, não precisamos nos envolver com ninguém, apenas fingirmos algum interesse por um período de tempo relativamente curto, conforme seja o padrão estabelecido pelo meio social ou corporativo, com suas normas e convenções. E isso, pela própria natureza da coisa, se torna uma prática artificial, como o é toda representação teatral de um personagem. As regras se prestam a guiar nossos passos, orientando como devemos agir e nos comportar nas mais diversas situações do nosso dia a dia. Assim, é necessário apenas que sejamos capazes de imitar e fingir um pouco, e já saberemos como nos relacionar com as pessoas. 

A hipocrisia e a mentira são então coisas permitidas, pois ninguém está interessado em relações duradouras, apenas o tempo suficiente para conseguir seus objetivos. Por isso mesmo valorizamos tanto a aparência das coisas, uma vez que isso é essencial quando queremos causar boa impressão, mesmo que a realidade nunca seja aquela demonstrada. Criamos a aparência ideal porque todos fazem a mesma coisa, e assim nos relacionamos com imagens ideais, fantasias criadas com o único propósito de esconder do mundo aquilo que somos de verdade. 

A cortesia nas relações se torna então uma qualificada representação teatral, uma formalidade calculada, sem emotividade alguma, uma forma mecânica de comportamento, que pode ser devidamente ajustada para se adequar a qualquer situação. Embora artificial, tal comportamento é aceito por todos, e caso não existisse, poderia até causar mais confusão e desordem em nosso mundo. Assim, o fingimento é necessário para colocar ordem em nossas relações, e para a correta organização das nossas instituições. Desse modo podemos afirmar que a mentira se torna uma habilidade necessária ao correto funcionamento da sociedade como hoje a conhecemos. Mentimos porque queremos agradar, e queremos agradar porque temos interesses pessoais envolvidos, e todos fazem a mesma coisa; logo, nossas verdades se tornam grandes mentiras, um mundo absolutamente falso, onde nada é o que aparenta ser. 

Eis o modelo de mundo que nossos filhos herdarão, pessoas que agem e se relacionam de forma passiva, como a seguir uma coreografia programada. Autômatos repetindo frases e comportamentos rotulados para cada situação do dia a dia. Um ser artificial, vivendo superficialmente, sem sentimento algum, onde o desejo de ser importante é sua obsessão, como uma máquina seguindo um gabarito operacional, que um operador escolhe, conforme a necessidade da demanda, na linha de produção. 

Ao agir como uma máquina que apenas imita comportamentos, rapidamente o homem perde seus valores humanos e simplesmente se deixa levar pelas influências do mundo à sua volta. Suas idéias e objetivos, os outros determinam, assim como os meios necessários para que ele seja capaz de alcançar cada uma dessas coisas. Os meios de consumos e os senhores que cuidam do seu modo de pensar e agir, dirão a que horas deverão dormir e acordar, o que deverão comer e vestir em cada ocasião, quais suas obrigações, pois tudo passa a ser obrigação, com trabalho, família e amigos. 

Dirão até como eles devem se relacionar com os filhos e esposa ou marido. Um objeto controlável de acordo com as conveniências das facções e movimentos, encarregados de controlar sua vontade e querer. Cria-se assim o ser humano objeto, completamente controlável, Absolutamente a mercê dos meios dominantes, que se encarregarão de direcionar cada indivíduo de acordo com sua proposta de momento, conforme sejam seus interesses. Controlam seus sentimentos, seus sonhos, suas crenças, pelo domínio do medo. É como a criança obediente que recebe presentes por bom comportamento, mas sabe que se não seguir as regras será castigada. 

Assim, podem fazer o homem rir e chorar; podem torná-lo dócil ou hostil; podem torná-lo emotivo ou insensível; podem transformá-lo numa máquina de matar e destruir ou de construir coisas fantásticas. Dotados de uma crueldade apenas possível aos homens, os senhores do controle da vontade dos homens, que também são homens, percebendo que as massas careciam de algum conforto além do material, criaram a idéia de paraísos além da vida; uma forma conveniente de aquietá-los em suas tentativas de insurreições contra a miséria onde viviam ou vivem. Assim o conformismo se torna aceitável, e até uma prática instituída e aperfeiçoada ao longo do tempo pelas correntes sectárias. 

Por que deve o homem aceitar seu destino de sofrimentos e angústias, seu eterno vazio interior carente de respostas coerentes, respostas que digam exatamente qual o seu verdadeiro papel nesse mundo, não o papel que as instituições criaram para cada um, mas o verdadeiro propósito da vida humana? Como nos impressionam as grandes fachadas das modernas instituições, com seus mármores e a espetacular plasticidade de suas formas, com sua limpeza e belos jardins, com seus funcionários bem vestidos e sempre sorridentes; com sua ostentação de poder que nos passa a idéia de longevidade. 

Isso nos impressiona porque também desejamos o mesmo para nós, fomos programados para pensar assim, para viver assim; apenas nunca nos ensinaram com lidar com o fracasso, como devemos nos comportar se não conseguirmos ser bem sucedidos. Um ser homem verdadeiramente humano, ainda está por surgir, mas nunca antes que esteja consciente daquilo que atualmente é, e de como o meio social controlador de seus destinos, vontades e sentimentos, é o verdadeiro responsável por toda miséria e caos que vive a humanidade. 

Cada criança tem tendências, aptidões, e dificuldades peculiares, que podemos chamar de um perfil personalizado, e outras até podem ter um perfil semelhante, mas nunca poderá ser igual. Compreender essa regra básica, capacita o pai ou educador a iniciar seu aprendizado no relacionamento com a mesma. Na verdade, não precisaríamos de modelos institucionais que nos ensinassem como ser virtuosos ou éticos, pois sendo sensatos, saberíamos como tratar a todos da forma adequada; e todos receberiam de nós, aquilo que gostaríamos de receber deles. 

Se desejamos para nossos filhos uma nova realidade diferente dessa, urge conhecermos nossas fraquezas e por que não temos motivação para mudar; nossos temores que nos incitam obrigando-nos a seguir padrões, e apenas assim estaremos livres para criar indivíduos livres, indivíduos que saberão pensar por si mesmos, e não de conformidade com os ideais de uma máquina criada para dizer como devemos pensar, e no que devemos pensar. 


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