Se temos receio de alguma coisa, descobrir que temos este receio, não resolve nada. Temos medo de muita coisa, medo de não ser bem sucedido, medo de não agradar ao esposo ou a esposa, medo de não vir a ser qualquer coisa. Saber disso não ajuda em nada a superação destes medos. A solução mais simples para se atravessar um rio caudaloso, certamente que não é construir uma ponte, principalmente se estamos com pressa e não temos os recursos para isto. Podemos fazê-lo nadando, mas podemos ficar horas ou dias imaginando o que pode nos acontecer se tentarmos atravessar a nado. Mas, e se o rio apesar de caudaloso e da aparência feroz, for raso e as corredeiras fracas? Poderíamos então atravessar simplesmente caminhando. Mas para descobrir se ele é raso, precisamos nos aproximar e examinar suas águas, e assim conhecê-lo melhor; coisa que a especulação causada simplesmente por temer suas águas turvas, não nos deixaria fazer.
Mas o que é o medo afinal de contas, um estado emocional, um mecanismo de origem natural do qual foram dotados todos os seres vivos, ou algo exclusivamente humano? Ter medo é uma condição essencialmente racional e emocional, pois só podemos temer aquilo que conscientemente seja capaz de nos fazer algum tipo de mal, algo conhecido. Sabemos o que sentimos quando a sensação de medo toma conta de nós, e é quase certo que também sabemos o porque, pois não podemos imaginar um receio sem motivo. Uma coisa é certa, como não existe medo sem causa, a causa de qualquer medo é o próprio medo.
Podemos perceber isso no exato momento em que estamos sentindo algum tipo de medo. A causa nesse momento pouco importa, mas o que estamos sentindo importa e muito. Fazendo isso, vamos ver o medo em atividade, o que ele causa em nós, o que estamos sentindo diante de sua manifestação. Se de um lado temos a causa que faz o medo explodir de dentro de nós, observar o que estamos sentindo naquele momento parece ser mais sensato do que evitar a causa; aquilo que origina esse medo. Evitando a causa, afastamos o temor, o que nos impede de ver o que é o medo. Questionar por que sentimos medo de alguma coisa, só tem algum valor prático se primeiro examinamos que tipo de sensação é aquela que estamos sentindo.
Observar o que sentimos no exato momento do medo, é o mesmo que investigar a validade de sua causa, e não a origem, pois isso não ajuda em nada a superarmos nossos receios. Podemos deduzir que uma causa de medo é um trauma infantil qualquer, mas isso não resolve o problema. Apenas deixando o medo se manifestar a cada momento, sem rejeitá-lo ou afastar sua causa, pode nos ajudar a transcendê-lo de uma vez por todas.
Se estou me afogando e vejo um tronco no qual posso me segurar, pouco importa para mim saber de que tipo de árvore ele é. Assim, diante de um medo, é importante observarmos seu mecanismo de ação em nós, como está reagindo nosso corpo, quais são nossos pensamentos naquele momento, se estamos ou não confusos; o que de verdade nos assusta, sem justificativas, sem ressalvas, sem as costumeiras explicações que fundamentam e dão razão a existência desse medo.
Examinando o medo em atividade, temos uma real chance de compreendê-lo. Mas nós sempre o rejeitamos, sempre o justificamos, sempre valorizamos mais a causa que seu efeito, e por isso nunca somos capazes de ficar livres dele. Uma causa de medo, que é o próprio medo, quase sempre oculta muitas outras causas, de muitos outros medos, um verdadeiro labirinto onde estão escondidas coisas que queremos ocultar de nós mesmos, ou de todos.
Descobrir do que temos medo só tem valor se estivermos dispostos a descobrir porque o temos. E descobrir porque o temos, só tem valor se estivermos dispostos a compreender esse medo, como ele é capaz de nos afetar emocionalmente, sentir seus efeitos para sabermos o que ele é. Só após isso, podemos saber por que o tememos; isso é o mesmo que conhecer sua estrutura. Em contato direto com ele, não com as explicações que o caracterizam, não com os motivos conscientes ou inconscientes, mas frente a frente, conhecendo como age em nós, podemos finalmente questionar, se tem fundamento sua existência.
A causa de uma raiva, o motivo que desperta em mim o estado de raiva, existe apenas porque há o veículo, que sou eu, onde ela pode se manifestar. Entretanto, ela só se manifesta se a causa existir. Desse modo, se, sem a causa o estado raiva não se manifesta em mim, posso concluir facilmente que a causa é a própria raiva, e como a causa é pessoal e afeta a mim, sem mim não existiria o motivo, que é a raiva; então eu sou a própria raiva.
Assim, como na natureza não existe o estado medo, ou alegria, ou ódio, ou qualquer outro, posso concluir que eu sou o responsável pela existência de todos estes estados. Se todos estados emocionais do homem demandam um motivo para existir, estes motivos foram criados pelo próprio homem. Realização pessoal ou coletiva são condições que não existem na natureza. A natureza não tem sentimentos, não sofre, não criou os motivos que angustiam e levam o homem ao medo e ao sofrimento.
Se existe em nós a busca constante de algo que nos garanta para sempre satisfação, haverá em oposição a possibilidade de não lograrmos êxito nos empreendimentos que elegemos como necessários, como pré-requisitos à nossa felicidade. A dúvida faz parte de nossas vidas, já que o desejo de obter alguma coisa, o desejo de poder mais, de saber mais, e tantos outros, que é a motivação de todo homem, sempre terá pela frente o processo de escolha. E se escolhemos é porque nunca temos certeza de que estamos fazendo a coisa certa, o resultado; conflito, ilusão, angústia, medo.
Saber que temos medo, todos sabem; saber do que temos medo, isso também sabemos pois o motivo é o próprio medo. Questionar porque temos medo de tais coisas, pode ser o inicio da liberdade, mas a cura pode estar em descobrir o que é o medo. Normalmente não queremos nos aprofundar nos motivos que despertam em nós medo, eles podem revelar particularidades nossas que queremos ocultar. Assim, compreender o que é o medo, pode revelar porque as causas são particularmente para nós um problema.
Se me sinto inseguro por ser incapaz de assumir responsabilidades, preciso me perguntar qual é o verdadeiro motivo dessa insegurança. Mas o que normalmente ocorre é que a palavra insegurança, já tem seu próprio significado, e o conceito por trás da palavra me impede de prosseguir em minha busca por respostas. Ser inseguro é ser medroso, é ser covarde, é não ser capaz de assumir riscos, etc. Mas esta descrição está muito longe de significar o estado de insegurança em si, e assim, ao me deixar envolver pela descrição, não me permito compreender e investigar, sentir em mim o seu real significado.
A coisa é simples, se sou inseguro, há um motivo, sem motivo não haveria insegurança, e isso deveria me bastar para compreender a coisa. Mas o que fazemos é buscarmos imediatamente uma maneira de nos livrarmos dessa insegurança, uma fórmula mágica que elimine de nós tal estado emocional. Mas sem compreender o que significa o "estado insegurança", o sentimento de insegurança; o real significado enquanto se manifesta em mim, o que sinto quando ele se manifesta, ele não passará de um conceito, será apenas uma palavra a designar algo que desconheço.
Como me livrar de algo que desconheço? Certamente que não há como. Preciso então ignorar o que há por trás do conceito insegurança, pois isso não importa, e sim o que sinto. Ciente do que sinto quando estou inseguro, poderei compreender o que é insegurança, saberei por que me afeta; saberei qual a sua causa, saberei o que fazer para enfrentar e transcender o problema. |
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